O Clube de Leitura associa-se às comemorações do Centenário do Nascimento de Natália Correia, falando da escritora em turmas do 9.º e do 10.º anos.
Natália Correia
(13 de setembro de 1923 – 16 de março de 1993)
Foi jornalista e feroz opositora do Estado Novo,
por isso alguns dos seus livros foram apreendidos e proibidos pela PIDE. Sempre
fez da sua casa um local de reunião dos intelectuais portugueses oprimidos pela
política fascista. Bateu-se pela liberdade e pelos direitos das mulheres. A sua
obra poética é das mais marcantes da literatura portuguesa do século XX.
Queixa das Almas Jovens
Censuradas
Dão-nos um lírio e um canivete
E uma alma para ir à escola
Mais um letreiro que promete
Raízes, hastes e corola
Dão-nos um mapa imaginário
Que tem a forma de uma cidade
Mais um relógio e um calendário
Onde não vem a nossa idade
Dão-nos a honra de manequim
Para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos um prémio de ser assim
Sem pecado e sem inocência
Dão-nos um barco e um chapéu
Para tirarmos o retrato
Dão-nos bilhetes para o céu
Levado à cena num teatro
Penteiam-nos os crânios ermos
Com as cabeleiras das avós
Para jamais nos parecermos
Connosco quando estamos sós
Dão-nos um bolo que é a história
Da nossa história sem enredo
E não nos soa na memória
Outra palavra para o medo
Temos fantasmas tão educados
Que adormecemos no seu ombro
Somos vazios despovoados
De personagens do assombro
Dão-nos a capa do evangelho
E um pacote de tabaco
Dão-nos um pente e um espelho
Pra pentearmos um macaco
Dão-nos um cravo preso à cabeça
E uma cabeça presa à cintura
Para que o corpo não pareça
A forma da alma que o procura
Dão-nos um esquife feito de ferro
Com embutidos de diamante
Para organizar já o enterro
Do nosso corpo mais adiante
Dão-nos um nome e um jornal
Um avião e um violino
Mas não nos dão o animal
Que espeta os cornos no destino
Dão-nos marujos de papelão
Com carimbo no passaporte
Por isso a nossa dimensão
Não é a vida, nem é a morte